terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Nova resenha do livro "Introdução à sociologia"



RESENHA
VIANA, Nildo. Introdução à Sociologia. Belo Horizonte: Autêntica, 2006
 

Uma introdução à sociologia em grande estilo

 
A obra de Nildo Viana afirma-se a cada livro publicado como uma das mais instigantes do marxismo brasileiro e o leitor terá a prova desse fato inconteste com a leitura deste livro, esta excelente Introdução à Sociologia, recentemente publicada pela Editora Autêntica (Belo Horizonte), na Série Ciências Humanas, coordenada pelo autor. Nildo Viana que é professor de Sociologia na Universidade Estadual de Goiás (UEG) é responsável por um já expressivo conjunto de estudos marxistas com temas e problemáticas interdisciplinares em livros como A Dinâmica da Violência Juvenil (2004), Estado, Democracia e Cidadania (2004), Escritos Metodológicos de Marx (2001), entre outros títulos e dezenas de capítulos de livros e artigos em periódicos nacionais e internacionais. Nildo Viana compõe sua trajetória política e intelectual nos quadros do marxismo brasileiro a partir de sua prática na universidade, ressalvando-se de modo enfático que a sua perspectiva rompe radicalmente com os cânones que sempre fundamentaram a cultura marxista brasileira: o marxismo pecebista, o marxismo fenomenologista acadêmico e o marxismo de tintas politicistas de matriz gramsciana. Seu projeto marxista insere-se de modo intransigente e radical na cultura dissidente anticapitalista, naquilo que a ortodoxia leninista-stalinista sempre convencionou chamar pejorativamente de “esquerdismo”. Exceto pela obra de Maurício Tragtenberg não há no Brasil uma tradição consolidada de heterodoxias marxistas pautada fundamentalmente por posições antileninistas, propositora, portanto, da radicalidade política anticapitalista de bases autogestionárias.
O mercado editorial brasileiro tem inúmeros exemplos de estudos introdutórios à Sociologia. O que distingue o trabalho de Nildo Viana desses outros trabalhos é a sua perspectiva analítica originalíssima: uma perspectiva marxista radicalmente ortodoxa com a matriz marxiana, com a obra original de Karl Marx. Esse aspecto está admiravelmente exposto no paradigmático capítulo cinco – “Temas fundamentais da Sociologia” – onde o autor apresenta reflexão sobre quatro questões fundamentais à análise sociológica: a relação indivíduo – sociedade (percebida através do conceito de socialização), o problema da divisão da divisão social do trabalho (vista através do conceito de classes sociais), a questão da cultura e da ideologia e, por fim, a questão da mudança social.
Para o autor o processo de socialização do indivíduo na sociedade capitalista está marcado pela competição, mercantilização e burocratização. Tais marcas estruturais são oriundas do processo histórico da divisão social do trabalho intrínseco às determinações fundamentais do modo de produção capitalista, determinações essas, projetadas nas práticas interrelacionais das classes sociais.
Nildo Viana afirma que no modo de produção capitalista existem fundamentalmente duas classes sociais – a burguesia e o proletariado. A relação destas classes determina estruturalmente na sociedade capitalista a existência de outras classes sociais que têm sua existência determinada relacionalmente a formas secundárias de exploração, formas realizadas na ação institucional do Estado, do capital comercial e do capital bancário. Nessas configurações institucionais da sociedade capitalista estão reproduzidas formas de exploração outras que reproduzem de modo ampliado a relação de exploração central do modo de produção capitalista: a expropriação da mais-valia no ato da exploração burguesa da força de trabalho proletária. Exemplos dessa prática societal são o campesinato e a burocracia. O campesinato que não reproduz mais-valia é explorado pela classe dominante e a burocracia como classe aliada da classe dominante tendo no Estado o seu aparelho de ação fundamental. Como corolário desse modelo, o fato de que a ideologia com suas bases reais (nas classes sociais) teria de ser entendida de modo determinante como uma forma de pensamento sistemático que, no entanto, reproduz a deformação da realidade social por causa de sua origem determinada pela divisão social do trabalho. A ideologia como pensamento sistemático nasce das práticas do trabalho intelectual vinculado historicamente no capitalismo, enquanto modo de produção, às classes “auxiliares” ligadas à classe dominante (a burguesia), caso, por exemplo, dos intelectuais nas burocracias estatais.
A cultura na sociedade capitalista seria a expressão da consciência concreta de determinada classe social, a cultura, ao contrário da ideologia, é parte constituidora da totalidade histórica porque é a consciência própria de cada classe, que é sempre afirmada relacionalmente no confronto com as outras classes. Conforme o autor, a cultura seria então parte constituinte das práticas de classe, logo, elemento estrutural da realidade histórica. A ideologia seria então forma específica de pensamento complexo, uma falsa consciência sistematizada que pode “assumir a forma de Filosofia, Teologia, Ciência, etc.” (p. 127).
Do conjunto dessas questões aquela referente à mudança social fica de imediato subentendida como um processo social, nunca como uma lei natural ou qualquer outro teleologismo histórico. A mudança social seria então imanente aos conflitos sociais originados pelas práticas interrelacionais das classes sociais.
No livro, para chegar a este quadro analítico radicalmente centrado na perspectiva marxiana, o autor, nos quatro primeiros capítulos, desenvolve extensa e detalhada análise dos significados próprios do que é presentemente a Sociologia como ciência acadêmica na sua condição histórica de ciência intrinsecamente vinculada à afirmação da sociedade capitalista, considerando-se, principalmente, o quadro de suas referências clássicas em Max Weber e Emile Durkheim que procuraram afirmar a Sociologia no seu estatuto de ciência. Mesmo sendo considerado uma referência clássica fundacional, o projeto teórico de Karl Marx, ao contrário, jamais se tentou propor, afirma o autor, com qualquer premissa de cientificidade sociológica para a realidade capitalista.
O leitor obtém desta extraordinária introdução uma extensa e detalhada apresentação do desenvolvimento institucional da Sociologia ao longo do século 20, assim como o desenvolvimento institucional imanente à crescente complexificação das práticas capitalistas, com o autor, privilegiando nessa exposição, as marcas nacionais da cultura sociológica contemporânea, destacando-se com esse propósito, os percursos institucionais da sociologia alemã, francesa, norte-americana e a do “resto do mundo”, incluindo-se aí, a sociologia brasileira. Na sociologia alemã, o autor comenta de modo sucinto, mas objetivo, os percursos clássicos de autores-instituições como Max Weber, Ferdinand Tönnies, Georges Simmel, Karl Mannheim, Norbert Elias, Robert Michels, a Escola de Frankfurt, e ainda, os estudos sobre a indústria cultural elaborados por Dietr Prokop. Na sociologia francesa apresenta-se a escola durkheimiana (Marcel Mauss, François Simiand, Paul Fauconnet, entre outros) e as escolas rivais ao modelo durkheimiano centradas em nomes como os de Frédéric Le Play e o de René Worms em conjunto com Gabriel Tarde. Da experiência francesa apresentam-se ainda as trajetórias marxistas de Henri Lefebvre e Lucien Goldmann e a escola “sócio-objetivista” de Pierre Bourdieu e seus colaboradores como Passeron, Chaboredon, Boltanski e Wacquant, grupo que Bourdieu reuniu em torno da revista Atas de Pesquisa em Ciências Sociais. No caso norte-americano, os destaques são dados a Tornstein Veblen, ao funcionalismo de Talcott Parsons e Robert Merton, como também as críticas a esse modelo elaboradas por Wright Mills; considera-se ainda, a sociologia industrial de Elton Mayo, o empiricismo da Escola de Chicago em nomes como o do urbanista Louis Wirth e o interacionismo simbólico de G. H. Mead. No quadro amplo da sociologia do “resto do mundo”, o autor ressalva com muita razão, na sociologia britânica, apesar de ser um nome de projeção internacional, a “sociologia sem grande importância” de Anthony Giddens.
Enfim, desse amplo quadro objetivo, o que se destaca é que, na sua condição de livro introdutório, mas portador de uma perspectiva teórico-política marxista apresenta-se como peça profundamente inovadora aos estudos sociológicos universitários, trata-se, portanto de um livro de divulgação fundamental a qualquer bibliografia nos cursos de ciências sociais.
Da década de 1980 aos dias atuais, o marxismo brasileiro sofreu a marca indelével do abandono, da abjuração teórica, o marxismo tem sido sistematicamente rejeitado como modelo explicativo e como perspectiva política. Com as práticas acadêmicas colossalmente reacionárias que pululam no esteio universitário nestas últimas décadas, os vértices heurísticos do marxismo foram sistematicamente derrotados pelas práticas dos rigores formais de investigação que os gestores da cultura acadêmica impõem aos seus próprios campos de atuação numa escalada fratricida de lutas e locupletações entre camarilhas universitárias que absolutamente nada têm a dizer à realidade histórica da exploração capitalista que lhes faculta – na expropriação da mais valia – a sua miserável existência nos pálidos contracheques mensais. Entretanto, nessa mesma universidade, mas com outras práticas acadêmicas aos poucos renasce o marxismo como perspectiva proletária, como perspectiva de estudantes proletários que não podem mais compactuar com a simples perspectiva de um dia tornarem-se gestores intermediários do capital transnacionalizado, dessas práticas de novo tipo nascidas nas frestas da universidade tecnocrática entre alguns professores e alunos é que aos poucos se vão delineando relações sociais fecundamente anticapitalistas e é dentro de tais práticas que o livro de Nildo Viana se justifica historicamente. Com os trabalhos de Nildo Viana, e em especial com este estudo introdutório a uma das principais balizas científicas do conhecimento da sociedade capitalista, desenham-se as possibilidades concretas de na tradição do marxismo brasileiro afirmar-se como definitivo o diálogo com a obra marxiana e apontarem-se assim as possibilidades de outras práticas intelectuais para o combate que pouco a pouco se vai instaurando na universidade brasileira contra os racionalismos positivistas tecnocráticos e/ou contra os irracionalismos culturalistas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário